domingo, 14 de agosto de 2016

CARTA PARA MEU PAI






PAI, sei que é tarde, mas mesmo assim quero te agradecer por todas às vezes que você entrou no escuro do meu quarto na mais alta madrugada, apanhou meu lençol do chão e me cobriu novamente. Mesmo entregue ao sono, sentia naqueles momentos o calor do seu amor e proteção. Olha, sabe aqueles bolinhos de feijão com farinha, pimenta e coentro que você me dava na boca? Nunca voltei a sentir aquele mesmo sabor, viu? Lembra daquela radiola ABC Canarinho que você comprou de segunda mão e parcelada?  Ela não apenas imortalizou seu raro e apurado gosto musical, mas tatuou no meu coração o Samba, os Nelson´s (Gonçalves e Cavaquinho), Ataulfo Alves, Dalva de Oliveira, Nat Cole, Júlio Iglesias, Ray Charles, Luiz Gonzaga, o tango do Gardel... PAI, lembra das vezes que você me levou para assistir o ABC jogar no castelão?  Pois é, me tornei amiga do seu maior ídolo e os seus netos vestem e carregam no peito a paixão pelo seu time preferido. PAI, obrigada por assistir Mazaroppi, Carlitos, John Wayne, Celia Johnson, Bette Davis, Humphrey Bogart, Paul Newman, Marlon Brando...Sua paixão por Cinema ficou impregnada na minha alma. Olha, mesmo sem ir à feira aos sábados cedinho, sei que por lá ainda posso encontrar alfenim e confeitos de mel. PAI,não vendem mais cordas de caranguejo pelas portas, que pena né? O senhor lembra dos passarinhos que viam comer pão mergulhado no leite e tomar banho de mangueira no seu jardim? Eles nunca mais voltaram por aqui. Ah! Lembra quando você foi me pegar de fusca na maternidade pela primeira vez que fui mãe? Nunca te falei, mas naquele momento sua proteção foi essencial, fiquei radiante de coragem. PAI, a imagem do seu rosto suado depois de um dia de trabalho, lixando, colando e envernizando móveis permanece viva em mim. Sabe, outro dia vi um calendário de Nossa Senhora e imediatamente lembrei que mesmo sem ser devoto ou muito religioso, você recorria a ela nos momentos de aflições. Me pergunto agora se você não rezava com saudades dos meus avós que morreram quando você ainda era criança. PAI, você deveria ter vivido mais para descobrir que não estava sozinho. Estive o tempo todo ali na espreita e muito silenciosamente te amando. Se o meu lençol cair, por favor me cubra.








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CORUJAS E PITANGAS