Nunca senti medo ou
vontade de girar o botão do tempo, mas sem que eu percebesse, o ano de 1996
entrou pela janela, sentou-se ao meu lado e ao som de “Don't Look Back In Anger” do recente “Supersonic", documentário
sobre a banda OASIS, recebi aquela que fui com meus olhos estremecidos de amor
e compaixão.
No meio ao caos e fúria dos irmãos Gallagher, reencontrei um recanto
poético. Um elo entre os tempos começou a desfilar diante do meus
olhos a cada composição do Noel. 1996 surgiu e trouxe-me nos braços aos 26 anos. Ela sorria e me chamava para segurar uma garrafa de vinho e cantarolar refrões musicais que energicamente exaltavam a vida e a liberdade. Impotente, toquei
suas mãos e pulei no abismo entre nós. Entreguei a ela minhas mãos suadas e meus
olhos cansados. Embalada pelo medo e movida pelo que me restou de coragem,
embarquei na viagem em busca de vestígios do que fui.
Vozes e imagens surgiam de todas direções. Um vento balançava
roupas alvejadas em um varal de arame farpado, em um muro amarelado pelo tempo,vi uma menina olhando para o céu. Um tal cometa Harley ameaçava cair... Alguns garotos passavam livres, suados
e alegres, senti cheiro de bolo, vi um vendedor de espanador, ouvi buzina de fábrica,
pedreiros e empregadas domésticas passavam com seus fortes perfumes. Uma música do
Sitio do Pica Pau vinha de uma casa com flores e grama verdinha. Aquela era minha casa! Voltei meus olhos para a menina imóvel com seus cabelos finos e curtos com uma franja que cobria-lhe os olhos castanhos, acesos e nitidamente inocentes. Passei a olhar para o céu e ali ficamos por alguns segundos, esperando o famigerado cometa. Sem minha permissão,voltei do passado mais vivo que o meu morno e solitário presente.
Entre os portais, descobri que há apenas vagões
de um trem e que eles crescem com o passar do tempo. Guardei minhas passagens e agora posso visitá-los
sempre que minha alma involuntariamente desejar retornar.
Nada irá queimar meu coração!
Suerda Morais
Em algum domingo de 2017