sexta-feira, 14 de abril de 2017

À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada!


Era madrugadinha quando ouvi pela 
primeira sua voz e com ela voltei:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! 



OS CATIVOS

Encostados às grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um último clarão.
Entre sombras, ao longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.
E os cativos suspiram. Bando de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.
E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!
Aonde ides? qual é vossa jornada?
À luz? à aurora? à imensidade? aonde?
— Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! 
— E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento...
E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devesas?
Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da soidão onde se esconde?
— Porém o vento passa e só responde:
a noite, a escuridão, o abismo, o nada! 
— e os cativos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente...
E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...
E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro d’onde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?
Por que esperais? n’essa amplidão sagrada
Que soluções esplêndidas se escondem?
— Porém os astros tristes só respondem:
a noite, a escuridão, o abismo, o nada! 
— assim a noite passa. Rumorosos
sussurram os pinhais meditativos.
Encostados às grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos. 


ANTERO DE QUENTAL 
In Sonetos, 1861 

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