Ao me convidar para sua aldeia, saiba de antemão que carrego som na
mochila. Minhas camadas dependem de ondas sonoras para respirar,
comer, beber e adormecer. Sob o som da minha vitrola desperto
de sonhos, acordo para fantasias e brinco com memórias. Músicas dividem meu
tempo e como existem muitos e muitos “tempos” em mim, minha coleção transborda e deságua em mares musicais. Na minha vitrola, lacunas de silêncios e pausas são preenchidas com sons que aceleram e dopam, simultaneamente.
Viajei sob efeito dessa nova “LANÇA PERFUME”. Nessa
regravação, Pitty explora seu melhor
estilo e chega muito perto do pop inteligente e debochado da nossa sempre mutante Rita Lee.
O que torna um filme
inesquecível? O roteiro bem armado, a produção impecável, a fotografia
hipnótica, a edição lapidada como um diamante, as atuações de tirar o fôlego,
ou a direção sólida, líquida e gasosa ao mesmo tempo? A resposta para esta
pergunta não está nas características e nem fases da etapa de produção de uma
obra cinematográfica. Um filme se completa de verdade quando ele encontra a sua
audiência, na etapa de exibição. É nesta etapa onde os corações são atingidos,
sonhos são despertados, uma visão de mundo é entregue, e aquela projeção tem a
oportunidade de trocar de lugar com a realidade por cerca de 120 minutos.
Isso foi exatamente o que
aconteceu comigo desde que assisti A Fantástica Fábrica de Chocolate (EUA,
1971) de Mel Stuart, pela primeira vez, há quase 20 anos. Considerado uma
ficção-científica para crianças, o filme mostra a trajetória de Charlie, um garoto
pobre que por pura sorte consegue um dos raros bilhetes para visitar a
fantástica fábrica de chocolates Wonka. Um lugar tão misterioso, que desde que
fechou as portas ninguém mais entrou ou saiu de lá, sendo esta promoção uma das
poucas vezes que o dono da fábrica, Willy Wonka, considerou abrir o lugar.
A fábrica é realmente
impressionante, servindo de cenário (e personagem) por todo o 2º e 3º atos.
Apesar da produção dos doces parecerem mágica, tudo é "explicado"
pela tecnologia que existe no lugar. Durante a visita a fábrica, Charlie
conhece as outras crianças, algumas de outros países, e como cada uma encontrou
seu bilhete.
A trama é montada sobre valores
éticos, com um jogo de ação e reação quase instantâneo. Ao fazer uma crítica,
ainda que rasa, ao sistema injusto de privilégio e oportunidades da sociedade,
o filme conta uma história de legado e busca por merecimento vinda do coração.
Tudo fica ainda mais intenso e significativo com uma cachoeira apontada como a
melhor opção para misturar o chocolate.
O
filme é a primeira adaptação cinematográfica do livro homônimo publicado em
1964, do escritor britânico Roald Dahl. Como a maioria dos filmes infantis, foi
criado para transmitir valores e lições de moral para as crianças.
É possível ver que algumas das
questões "recomendadas" pelo filme são amplamente inconvenientes nos
ano 2000, mas a história é tão cinematográfica que ganhou uma 2ª adaptação para
os cinemas em 2015, dirigida por Tim Burton.
Poderia ser “A Festa da Menina Morta” de Matheus Nachtergaele ou o “Céu de Suely “de Karin Ainouz, mas o filme que marcou muito minha vida e ainda revisito diferentes vezes é Lluvia (2008). Um argentino da diretora Paula Hernández.
Tem filmes que nos faz chover por dentro. Lluvia é um desses. Dirigido por Paula Hernández, Chuva começa partindo. No fim de um relacionamento, Alma (Valéria Bertuccelli) decide colocar alguns pedaços de sua vida em um carro e ir embora sem destino. O filme se passa em uma chuva, intensa, num inverno rigoroso de Buenos Aires e nos faz ver através das janelas o embaçar da vida. No engarrafamento, o ocaso se faz em meio ao movimento turvo dos olhos. Um homem em fuga atrapalha sua solidão. Roberto (Ernesto Alterio) encontra Alma no seu despedaço e assim a história começa. Um descobrimento de mundos e a possibilidade de desprender-se de si para enxergar o outro.
Nessa partida e chegada, Alma reencontra suas dores e seus desejos. E ali me vi. De uma maneira forte e única. É muito raro um filme me tocar dessa forma. Lembro que eu estava cobrindo o festival de Gramado de 2009 e entre os longas da mostra competitiva estava Lluvia. Confesso que demorei para sair da cadeira depois. Quando se cobre um festival se assiste aos filmes, principalmente os da mostra competitiva com olhar mais crítico, organizando as idéias para a escrita e o cuidado de perceber a fotografia, o roteiro, a direção de arte, a narrativa, a direção com calma e discernimento. Abandonei todas as letras ali e me permiti viver e respirar Alma.
Por isso carrego comigo todos os dias essa mulher e esse filme. Agora enquanto escrevo, chove e não tem como ser escorrida junto nos telhados e nos vidros da janela junto com a sensação do filme. É sobre solidão e dor, é sobre o amor, próprio, aquele que a gente dispensa por muitas vezes por nada e na vida é preciso reencontrar, mesmo que seja num susto, num engarrafamento ou até mesmo numa chuva que daqui a pouco passa.
Ele nasceu no Rio de Janeiro, cresceu
em Natal e atualmente faz da pauliceia desvairada sua suíte cultural. Formado em Jornalismo pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, apaixonou-se cedo pela literatura. Escreveu
livros, poemas e peças. Dirigiu espetáculos, recitais e monólogos. Por "Jorges – A Poesia de Jorge
Fernandes no Palco", recebeu o prêmio de Melhor Direção no III Festival de
Monólogos de Marília (SP) no ano de 1998, e os prêmios de Melhor Cenário e
Melhor Figurino no ano 2000 em sua quarta edição. Em 2005 foi responsável pela
Direção do Auto do Natal, um espetáculo que reuniu mais de sessenta artistas. Sua
dramaturgia não só apenas é encenada em diversos estados brasileiros, mas em
países como Portugal e Angola. Sua arte pulsa, brinca, arde e inquieta os
sentidos. Com uma percepção aguçada, ele avança e estabelece novas e criativas
convergências entre as comunicações e as artes. Salve Jorge!
Um SET para Paulo Dumaresq é
desejo antigo, agora realizado.
1) Durante
muitos anos, o teatro foi sua segunda casa. Mas, no ano de 2014, o cinema
conseguiu te tirar da condição de cinéfilo e espectador. O processo de criação
do roteiro e direção do curta-metragem Incontinências foi muito desafiador, ou
a experiência artística do teatro ajudou nessa importante transição para a
Sétima Arte?
Eu já tinha certa familiaridade com a escrita de
roteiros, porque no início dos anos 1990 comecei a produzi-los juntamente com
os textos dramatúrgicos. Lera alguns livros e absorvera noções de como
roteirizar ideias para o cinema. Inclusive, enviei meu primeiro roteiro de
curta-metragem, intitulado Solidariedade, para Rogério Sganzerla, e o mestre
gostou. Ele me comunicou em carta que mostraria para o produtor de Deus e o
Diabo na Terra do Sol. A intenção de Rogério era rodar o curta em Natal. Guardo
as cartas como um troféu. Depois produzi outros roteiros, mas não fui em
frente, pois na década de 1990 não havia produção audiovisual na cidade. Só
retornei em 2010, quando roteirizei o curta Ribeira – Uma Pérola Natalense, em
parceria com o cineasta Sérgio Oliveira. Apenas em 2014, por ocasião da Oficina
de Introdução ao Cinema Digital, promovida pelo SESC e ministrada por Carito
Cavalcanti e Vlamir Cruz, comecei a escrever o roteiro de Incontinências, o meu
primeiro rebento audiovisual. A direção da atriz Camilla Natasha não foi um
bicho de sete cabeças, porque já trazíamos a experiência do teatro. O que senti
dificuldade foi lidar com a linguagem do cinema, que é muito particular,
principalmente com o sentido do filme.
A Cloaca - Escrita em 2003 pelo dramaturgo Paulo Jorge Dumaresq,
2) Saindo do
universo ficcional, você mergulhou de cabeça no gênero documental, onde ao lado
de Alex Régis, dirigiu o longa-metragem Passo da Pátria – Porto de Destinos, um
filme bastante aplaudido desde sua estreia. Quais as principais diferenças
entre produzir uma ficção e um documentário? O que sob o olhar do jornalista
foi equilibrado e descartado?
No longa Passo da Pátria – Porto de Destinos
escrevi um pré-roteiro que pouco foi aproveitado. Eu e Alex Régis largamos o tal roteiro e
focamos na intuição. A ideia inicial era realizar um curta, e graças ao
material captado chegamos à conclusão de que daria um longa. O processo de
filmagens foi muito orgânico. Creio que a diferença entre produzir uma ficção e
um doc é a possibilidade de improvisação que o doc permite no set. Partíamos
para o set com uma ordem do dia, mas improvisávamos bastante, porque outras
ideias e entrevistas surgiam. E vibrávamos com tudo aquilo. As improvisações
foram um achado sem igual que só fez acrescentar ao filme. Agora, o grande
desafio foi a montagem, por se tratar de um longa. Demandou muito tempo, muita
atenção e cuidados. Mas o resultado final, creio eu, foi satisfatório.
3)Quais as
semelhanças e aprendizados entre produzir uma ficção e um filme documental?
É tudo cinema. São sensações visuais,
auditivas e sensoriais que acabam envolvendo o realizador e equipe em um set.
Tem a parte da imagética extremamente importante, mas também tem a parte
técnica e a ralação em si, que exige muito trabalho, e que é comum aos dois
subgêneros. Na ficção, por exemplo, é importante que o roteiro esteja muito bem
decupado. É imperativo, ainda, visitar as locações com parte da equipe e
ensaiar no local com os atores e câmera. O storyboard também ajuda bastante. E
bons equipamentos e captação impecável de imagens e áudio. Em relação ao
documentário, o respeito ao local, às pessoas do lugar e aos entrevistados é
fundamental. E partir para o set com o olhar aguçado, sabendo que a qualquer
momento você pode se deparar com bons imprevistos e tirar proveito disso. Em
ambos os casos, uma equipe afinada e comprometida com o trabalho é essencial. É
de bom alvitre também saber respeitar as características das duas linguagens. O
aprendizado é absorver as lições que tanto a ficção como o documentário
podem ensinar a um aprendiz de cineasta na realização de suas obras fílmicas. O
meu caso.
set - Documentário Passo da Pátria - Porto de Destinos
set - Curta Incontinências
4) Ambos os
filmes foram realizados com recursos próprios, parcerias e com amigos,
características comuns entre realizadores que buscam caminhos independentes,
seja pelas intermináveis exigências de editais ou complexas captações de
recursos e prestações de contas. Na sua opinião, quais as ferramentas
necessárias para o desenvolvimento da cadeia produtiva do audiovisual no Estado
do Rio Grande do Norte.
No Brasil, os artistas são muito dependentes do
Estado. Hoje em dia cada vez mais. Eu gostaria de mais iniciativa privada e
menos estado nas artes como um todo. Mas como isso não é possível, o Estado
acaba absorvendo grande parte das demandas, e nem sempre é democrático na distribuição
de recursos. Percebo que a maior parte dos recursos e investimentos públicos
fica na região Sudeste. As outras regiões contentam-se com as sobras. Era para
ser o contrário, visto que o Sudeste é a região onde se concentram as maiores
indústrias. Seria importante que o empresariado participasse mais da cultura do
país, não necessariamente por meio de leis de incentivo. Quando um projeto
cultural é vencedor, ganha prêmios nacionais e internacionais, o patrocinador
também é vitorioso. Isto precisa ser repetido para o empresariado como um
mantra. Outra: o Estado pauta temas para serem filmados, o que não acho
saudável. No Rio Grande do Norte, onde o audiovisual engatinha, aponto a
necessidade de mais oficinas e cursos de formação e capacitação, investimentos
na produção de obras fílmicas e janelas de exibição, como mostras e festivais,
e mais produtores e produtoras, além de intercâmbio com centros mais avançados
que o RN. O audiovisual é uma cadeia produtiva que pode gerar emprego e renda
como qualquer outra atividade profissional. Isto precisa ser esclarecido.
5) Como o
poder público e a iniciativa privada podem ser motivados a acreditar no
Audiovisual também como um fator de desenvolvimento econômico, tendo em vista a
movimentação de materiais, produtos, equipamentos e principalmente o capital
humano que envolvem a produção de um filme?
Creio que com a criação de uma indústria do
audiovisual forte, que pudesse contemplar todas as etapas de realização de uma
obra fílmica, desde o desenvolvimento do roteiro até a distribuição do filme.
Entidades e/ou instituições precisavam encampar essa luta. Hoje, a principal
indústria dos Estados Unidos é o cinema. No Brasil, devia haver mais incentivos
e menos burocracia. Admiro muito o trabalho que o Sistema S faz, principalmente
o SESC-SP, no CineSesc, em suas unidades e em seus teatros maravilhosos. O
trabalho do Sesc em São Paulo equivale a uma secretaria de cultura. No final
das contas, os maiores beneficiados pelos editais e leis de incentivo são artistas
já consagrados e seus produtores e captadores que conhecem o caminho das
pedras.
6) Escrever
para cinema virou um hábito? Onde você busca inspiração para suas histórias e
como é sua relação com o cineasta Rogério Corrêa, que algumas vezes demonstrou
interesse em produzir seus roteiros.
Não diria um hábito, mas é algo que me dá prazer
em fazer. Não gosto de excessos de nenhuma ordem. Gosto de exceções. Sou um
observador atento do cotidiano e é nas situações mais prosaicas que capturo e,
mais adiante, construo minhas histórias. Em tudo vejo cinema. Há uns dois anos,
estava no vagão de metrô em São Paulo, quando o trem parou numa estação. Daí,
entrou um jovem senhor de blazer com uma bolsa de mão. Quando o trem deu
partida, ele patinou e como última alternativa para não levar um tombo
agarrou-se à bolsa de uma moça que estava em pé. A menina esboçou um sorriso
tímido, assim como outras pessoas no vagão, inclusive eu. Logo, a lampadinha do
cinema acendeu e eu comentei comigo mesmo que aquilo era uma cena de cinema.
Certamente, só eu registrei a cena como cinematográfica. Viajei no episódio e
contei os minutos para chegar no hotel e anotar tudo. Sempre ando com bloco e
caneta à cata dessas cenas cotidianas. Não sei por que, mas os Rogérios gostam
do que escrevo (risos). Minha parceria com Corrêa se mantém viva e botamos fé
que em algum momento as ideias vão se transformar efetivamente em filme ou
série para a TV. Estamos atentos a editais públicos e privados em busca de
concretizar a parceria. Rogério é muito profissional e metódico, assim como eu,
e isso é ótimo. Ele dirigiu o longa No Olho da Rua (2010), o qual aprecio
bastante.
7) Assistir
a um filme pode ser uma experiência enriquecedora de conhecimentos e não apenas
uma fuga da realidade pelo entretenimento. Como o cinema contribuiu para sua
própria comunicação interior? Você poderia citar alguns dos principais filmes e diretores que tenham
alcançado seus recantos?
Aposto no cinema poesia. Gosto de filmes com
humanidade e sentimento, mas que não resvalem na pieguice sentimental. Nem
todos conseguem. Na minha opinião, o filme que atingiu isso de forma
absolutamente plena foi Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore. É um
filme que me emociona do início ao fim, com espetacular roteiro e direção de
atores, além da trilha absurda de Ennio Morricone. O filme seguinte de
Tornatore, Estamos Todos Bem (1990), ultrapassou a linha tênue entre a poesia e
a pieguice e o resultado foi insatisfatório. Filmes são obras sensoriais que
incitam e excitam os sentidos. Na sala de cinema, voltamos ao útero. Outros
filmes que tocaram fundo minh’alma foram
Um Dia no Campo (1936), de Jean Renoir; Sede de Paixões (1949), de Ingmar
Bergman; A Doce Vida (1960), de Federico Fellini; A Primeira Noite de Tranquilidade
(1972), de Valerio Zurlini; Nós Que nos Amávamos Tanto (1974) e O Jantar
(1998), de Ettore Scola; Chuvas de Verão (1978), de Carlos Diegues; Manhattan
(1979), de Woody Allen; Parente É Serpente (1992), de Mario Monicelli; O
Carteiro e o Poeta (1994), de Michael Radford; Almoço em Agosto (2008), de
Gianni Di Gregorio; O Segredo dos Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella; e
Medianeras (2011), de Gustavo Taretto, entre dezenas de obras fílmicas de
reconhecido valor. São filmes sensíveis que traduzem tudo o que gosto de ver e
sentir mergulhado no útero.
Conheci Paulo Dumaresq em bar, ele vestia uma camiseta do Pink Floyd e o ano era 2012.
Apesar da distância entre nossas cadeiras, foi necessário apenas poucos minutos para descobrirmos Hitchcock, Truffaut e o Rock entre nós. Hoje, dividimos set´s, sonhos e entre uma cerveja e outra cresce o tamanho da nossa amizade, estreitando fronteiras e cumplicidades.